sexta-feira, 1 de março de 2013

Do paraíso ao inferno


 Jack sempre teve hábitos e pensamentos diferentes. Diferentes e inconstantes. (Doutor, eu e Jack temos muito em comum). Era o típico homem que nenhuma mulher jamais possuiria por completo. Seus impulsos cerebrais atravessavam labirintos até chegar ao destino final. Era tipicamente uma pessoa complicada, sistemática e muitas vezes rabugenta. O carinho comigo era um tanto diferente do que possuía com as outras pessoas. E eu nunca soube explicar o porquê, nem mesmo procurar muito a fundo. Ele é fascinante aos meus olhos, como um quebra-cabeças que não possui todas as peças e cada uma das que falta foi deixada numa galáxia diferente pra evitar que seja montado. Eu jamais visitaria galáxias por Jack, por mais que ele merecesse. Quem sabe não crio minhas próprias peças-coringa?

Aquela noite, ouvi um pedido de socorro. Mas estava presa e não conseguia me direcionar a estender as mãos.  Sinceramente não sabia de onde vinha aquela voz. Mas estava sofrida ao ponto de não me assustar, e sim me dar aquele nó na garganta que quase puxa as lágrimas em ato reflexo. Um tipo de nó diferente. Os nós normais seriam desfeitos facilmente pelas amídalas. E de repente foi como se meus sentidos fossem sufocados e ‘tchun’, lá estava eu em outro lugar diferente, vendo Jack sem que ele pudesse me ver.

Era noite, e aquele lugar onde Jack estava foi meu templo durante alguns anos. Passada a rodoviária e a Igreja, descia-se o escadão, depois um enorme morro, mais uma Igreja e então o para-peito dos meus maiores e mais fiéis pensamentos. A Igreja abandonada, as pequenas muretas, chão de pedras, de um lado árvores, do outro a frente da Igreja e do outro a visão da cidade triste e uma passagem por um lugar, que era agitado demais. Sempre achava estranho como eu pude encontrar meu canto de reflexão há alguns metros acima de uma rua tão agitada onde circulava tudo o que sempre me deixava tão confusa. Só sei que ali era como se não houvesse mentiras. Nem de mim pra mim mesma. E pelo visto Jack andava passando por algo que o levasse ali, onde ele não conseguiria conter seu emocional com ações fortes e calculadas.
Jack tinha os olhos alagados. Seu rosto exprimia algo como uma faca cravada por um amigo nas costas. Até seus movimentos eram dignos de alguém que estava perdido em si mesmo. O olhar para as estrelas conseguiu com que ele apagasse uma. Sua situação era como raiva e tristeza juntas, a tristeza era a parte sólida e a raiva a cobertura. Suas mãos me pareciam geladas, a boca estava seca e o coração aos pedaços.

(Doutor, eu sei de uma coisa: ninguém merece o amor de Jack! Traíram novamente a confiança dele. Eu não quero que Jack fique assim, me volta pro meu corpo agora, está ouvindo?)

De repente, pelo outro caminho surge Ana. (Ana? O que você está fazendo aqui? Você e Jack nunca se encontram. Como assim? Doutor parece que isso tudo está acontecendo dentro de mim. Ajude-me doutor. Algo de ruim está me tomando. Ah Doutor. Não me deixa assim).

Ana vai rumando a Jack. Não o olha nos olhos. Apenas assenta-se a seu lado.  Ana é o símbolo da calma. É do tipo que sempre vê um lado nas coisas que não existe. Ana é o perdão personificado. Ela sempre está pronta para as coisas que dão errado. Pronta a um ponto desprezível, que rebaixa seu próprio valor. Em sã consciência, Ana é do tipo que me dá ódio, mas quando meu coração está mexido, é ela que guia minhas ações.

Jack olha pra Ana, dando de ombros com o subliminar, ‘sei que você já sabe’ e dentro de Jack, vejo o “Ó Ana, não me julgue por favor”. Subitamente ele começa a falar. Sua voz está trêmula como se as lágrimas estivessem vibrando suas cordas vocais.

- Hoje é sexta. Aquela sexta desde então não sai da minha cabeça. E desde então todas as sextas são iguais.

Jack percebe que está falando de uma forma que quase nunca fala. Jack estava sendo claro, e isso o assustava. Então vira-se de costas pra Ana, olhando para a frente da Igreja e evitando ver qualquer coisa que possa se mover e desconcentrar seus pensamentos ao ponto de levá-lo a ser direto demais . Conheço Jack, ele estava culpando o movimento da cidade a uma distância incalculável, por sua frase simples. Jack não aceitava nunca se tornar simples e previsível.

- Todos temos atitudes pecaminosas, eu sei Ana. Mas estas não podem ser voltadas contra alguém.  Atitudes não são jogos. Não é azar ou sorte, as vezes guiado por estratégias, mas sempre nas mãos do destino. Não Ana. Uma atitude soou como um tiro pra mim. E uma atitude pecaminosa num momento em que eu estava sendo o pecado.

Ele articulava os braços em gestos que o fazia chorar com as mãos. Jack estava realmente muito agoniado.

(Ó Jack! Ela não te merece. Ninguém te merece! Mas se é por pecado, pensa no tanto delas que te procura e que faria tudo por você. Foque-se Jack. Você não precisa disso. Foi um encanto idiota. Só isso.)

- Hoje vejo aquelas madrugadas de conversa como tempo perdido. Deveria ter praticado meu ócio criativo Ana. Perdi algumas horas das que mais gosto partilhando com ela um pouco de meu mundo paralelo. Os diálogos Ana eram fascinantes, me entorpeciam. Sorri sozinho algumas vezes pensando nela, sem nada, só por pensar nela. Sou um apreciador das boas companhias. E ela assim se mostrou antes de me magoar. Me magoar é pouco. Quando fecho os olhos, a imagem me vem com mínimos detalhes, das mãos dadas à cabeça no ombro. Um trauma Ana. É isso. Só assim se define.

Ana que nunca falava gaguejou uma frase com medo do que Jack iria achar:

- Pense no que veio antes, apenas.

- Antes? Há! Ana, o antes é apagado quando se comete erro. Você não é mais antes, você se torna adiante. Aquele brinquedo inofensivo torna-se mais ameaçador que um pacto com o demônio. A graça se perde exatamente no momento em que se pergunta o por quê. Ele não existe Ana. A piadinha que parecia tão intelectual e que despertou tanto de mim hoje me soa como uma perda de tempo e meu fracasso rumo às pessoas que não prestam. Ali está materializado o alicerce da minha tristeza. E algo que me descontraiu durante algumas tardes hoje me abaixa os olhos e trás ainda mais a visão. Uma visão que sempre vem sem nada, mas quando está por perto, vem mais. É um lixo. Ali está a minha derrota.

Eu sentia o coração de Jack bater, até pedir para saltar pela boca. Os olhos eram agora o Oceano Pacífico, e ele estava se encolhendo. Eu via a hora em que se tornaria um caracol. Jack sempre combinou mais com as girafas, esguias e sem medo da cabeça na altura. Jack agora parecia sentir vergonha e querer sumir. Ana observava e o fato dela não estar tentando convencer Jack me assustava. Nem Ana saberia o consolar. Eu quero matar essa infeliz que arranca lágrimas de Jack.

- Eu sei perder Ana. Passei por isso muitas vezes. Mas o que se vê dói mais. É como ver um último suspiro de uma pessoa antes da travessia. Só comparo essa situação ao último olhar da minha cachorrinha há uns atrás. Lembro da carinha dela antes de me abandonar, a imagem se forma nos detalhes. Pode parecer uma analogia besta Ana. Mas lembro daquela cena como o último momento da minha melhor amiga.  E desde então as sextas perderam o sentido...

- Ouça as explicações.

- Já ouvi. Defeito das pessoas muito cheias de si, me soou como algo facilmente esquecível. As coisas não são assim Ana. Me sinto por dentro como um livro de antropologia que conta uma história chata, mas que você pode tentar achar a explicação. E pode ser ele. E pode não ser. Essa vida é uma ironia. Sei que não tenho o controle de tudo, mas qual a resposta? Como múltipla escolha, ou é aquilo ou aquilo outro e pronto. Simples assim. É disso que preciso. E me pergunto, isso vai se repetir? Como se tornou a relação depois daquilo. Eu não sei de nada Ana. Nada.

(Doutor, Jack continua com ela. Sempre que ele quer achar as explicações é porque ainda acredita ser possível engolir. Jack, isso é uma cactus. Antes de você engolir, vai demorar a descer e machucar tanto a sua garganta. Cospe!!! É uma ordem.)

- E agora, todas as sextas me trazem de volta a mesma tristeza. E agora ainda mais, porque me afundei na parte boa dela. Me compliquei. Minha cabeça é um labirinto. O que eu sinto é forte, o que eu falo é pouco, o que demonstro não sei. Ainda faço tudo por ela. Fui assim por poucas pessoas nessa vida. E não vou me perguntar o por quê para que não perca novamente o encanto. Eu não sei que rumo as coisas tomaram. Era meu paraíso, tornou-se meu abismo e minha assinatura de fracassado. O que é agora Ana? O que? O que ela quer?

Ana levantou-se.

(Não Ana, não. Te conheço. Não deixe Jack ser ridículo, abra os olhos dele. Você é desprezível Ana. Eu odeio você!)

Ana , enxugou as lágrimas de Jack e lhe deu um forte abraço.


O abraço de Ana foi o inferno de Jack. Ele queria voar, mas não podia mais. Pelo visto Jack finalmente entregou a alguém sua alma.

Um comentário:

  1. Essa Ana é mesmo muito má, tadinho do Jack :( não se deve dar abraços em pessoas apaixonadas, elas querem um beijo :D uma chance de conquistar rs. Os abraços, mesmo os apertados, são mais como muros do que como pontes, é como estar do outro lado de uma parede de vidro, você sabe que se a atravessar os cacos te machucarão, mas ficar no lado oposto, também te machuca! NUNCA ME DÊ UM ABRAÇO APERTADO HEIN! Prefiro um cafuné, ao menos é um carinho prático e eu poderei ao menos deitar em seu colo rs (já estarei ao menos próximo do paraíso hihi). Bom, mas fico feliz que o Jack esteja descobrindo como é difícil isso de ser humano, como eu sou um Elfo, uma fera animal das florestas azúis, eu sei muito bem o que significa o provérbio árabe "E a bela olhou a fera, e a beleza da bela encantou a fera, e desde então, a fera ficou à mercê da morte!" Elfos são mais bichos que homens, por isso me dou bem com meus amigos e amigas cães, por isso entendo o que falam e pensam, e eles a eu, e os bem-te-vis, sem medo algum pousam próximos de mim, eles sabem que eu vim do mesmo mundo que eles... mas o ser humano é essa complicação toda de anjo caído tentando posar de deus e ao mesmo temo agindo como demônio, e fica nessa transitória alienação, até que é claro um de nós tente ajudar com algo original como chutaR a bunda ribanceira abaixo, convidar para um chocolate quente em meio a alfarrábios seculares ou simplesmente para um torneio de quem pega mais estrelas... mas eu sou outra história, aliás, não tenho história, quando os elfos surgiram ainda não havia tempo rs. Beijão procê! Ahhh eu não sou maluco, os outros é que são normais demais! :D Mas não fique triste por Jack, esse caminho é dele!!! Palavra de Elfo rs

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