domingo, 18 de novembro de 2012

Encantar, cativar, perder



Doutor,
Hoje preciso que você fique no divã para estar mais confortável ao me ouvir. Talvez o melhor fosse uma espreguiçadeira na praia e um drink de abacaxi com vodka para lhe distrair um pouco, afinal sei que minha retórica não chega nem perto de ser das melhores. Ou uma rede no meio do campo onde o cantar dos passarinhos pudesse lhe distrair dessas minhas confusões mentais extraordinárias. Mas nos contentemos com o que temos, relaxe nesse divã enquanto lhe faço um expresso e desabafo o que está me corroendo. Sinta-se a vontade para tirar uma soneca.


            A vida não passa da junção de três fatores: encantar, cativar, perder.
Se embevecer por uma pessoa é algo natural. Tão simples como tirar remela dos olhos. Acho essa uma das ações mais simples e que poucos se dão conta. É fato: acordamos, nos alongamos naquela mistura entre querer esticar para o mundo e despedir-se daquele sono revitalizador. Agora o mais gostoso é quando acordamos e vemos aquele rosto lindo ao nosso lado (mas que as vezes nos empurrou na cama a noite toda, tirando uma pequena parte da paciência), sentir aquele sorriso de bom dia, um pequeno beijo e então nos colocar a retirar a remela daqueles olhinhos. Ah doutor, isso é umas das coisas que mais me deixa feliz nessa vida.  Acha estranho? Experimente então na próxima manhã. Você verá o que é sentir ternura.              
Quando encantados, ao contrário de apaixonados, vemos sim defeitos, e muitos. Porque o encanto é a pré-paixão, mais sinceramente, é a paixão, no entanto coberta com o véu do orgulho. Muitas coisas têm o nome de Encanto, já reparou? Pousadas, confeitarias, cerimoniais, até mesmo motéis. Se olhar a raiz das coisas verá que todas são remetentes  a um estímulo externo afável, digno daquele frio na barriga que nos arranca um suspiro, dois suspiros, três suspiros. Uma infinidade de claras batidas com açúcar e assadas por pouco tempo. Prefiro quando têm raspas de limão. É picante, dá uma pequena diferença que caracteriza como único. ELE É O MEU SUSPIRO!
Doutor, eu me encantei. Tenho tanta vergonha de lhe confessar isso. E quando confessei a ele, as coisas nunca mais foram as mesmas sabe. Acho que mensagens subliminares são a melhor forma de comunicação. Ao menos subtendidamente ninguém se sente coagido ou manipulado. Eis a fórmula da vida.
Depois do encanto, cativa-se. A maldita raposa do Pequeno Príncipe, me ensinou a coisa que é mais bizarra em minha vida. E antes doutor eu não tivesse aprendido aquela lição. Aprendi a cativar e a ser cativada. Uma palavra do meu tempo e que também deve ser do seu é fitar. Eu fitei aquele garoto até chegar ao ponto de cativá-lo. Creio que fiz isso, pois ele se abriu pra mim e me deixou afagar seus cabelos e apertar as suas bochechas. E ele me parecia tão durão em sua maneira de falar das mulheres. Sim, ele pensa em muitas mulheres o tempo todo. Doutor, me perdoa, mas eu acho isso normal. Eu também penso em várias pessoas. Ao menos pensava antes dos últimos quatro meses. Mas esse desejo vai voltar. Eu sei. Ou ao menos oro para que volte. Ele se tornou único no mundo, como uma rosa mesmo, e cheia de espinhos. Ele me espetava o tempo todo quando se fechava para uma infinidade de coisas que eu queria falar e ele sabia só de olhar nos meus olhos. Fui descoberta doutor. Me ajuda. Ninguém além de você pode me conhecer. Fiz um pacto com o senhor do mal e ele me disse que quando eu deixasse de ser mistério, a minha alma já não pertenceria só a mim. Eu quero a minha alma de volta. Quero toda, doutor. Toda. Por favor me dê um remédio para recuperá-la. Sei que você pode fazer isso.
Então doutor, começou um jogo de sedução. E eu o tive por vezes seguidas, podendo até mesmo tirar suas remelas, cuidar da sua ressaca e dividir o cobertor. Eu sempre odiei dormir abraçada, e então ele veio e quebrou os meus elos, meu orgulho e minhas pernas.  Adoro essa expressão: você quebra minhas pernas desse jeito. Doutor, ele quebrou a minha coluna. Vértebra, por vértebra e sem piedade e intenção nenhuma. A culpa foi minha e eu deveria estar presa a uma hora dessas tendo que brincar de pique-esconde com Hitler no inferno.
E quando eu vi que estava estabelecendo um vínculo forte, não com ele, mas com o gostar do carinho eu me assustei muito. Sabe aqueles traumas que lhe contei. Bom, eu me abri com ele. Depois num misto de arrependimento eu comecei a inventar uma séria de versões e no fim já não havia confiança. E não tem justificativa, eu fui uma falsa e tenho que aprender a superar meus traumas. Não posso coloca-los nas mãos de ninguém. Fico parecendo vítima, e o senhor sabe o quanto eu não sou e o quanto fui forte ao longo desse 16 anos com o nó na garganta.
Sou uma péssima jogadora. Sem um lance planejado, sem ser estrategista e fazer as jogadas certas tive o meu cheque-mate para a derrota. É doutor, eu perdi. Por minha opção. Pela minha incompetência em lidar comigo mesma. Com essa mente louca que fala tudo o que quer, que tem jeito doce, mas que de repente surta e sem fundamento algum. Não vou por a culpa em nada dessa vez. Prometo. Apenas na minha ignorância. Me senti pressionada e pressionando. Mas no fundo eu lhe juro em nome do que você acreditar que não era a minha intenção. Mas agora doutor, não dá mais pra voltar atrás.
E pra terminar, vou lhe dizer o que estou sentindo essa noite.
Uma ridícula por que sei que jamais terei aquele sorriso lindo de novo. Ao menos não direcionado a mim. Nunca mais vou poder tirar a meleca que tá na ponta do nariz dele. Entende doutor, como isso tinha tanta importância em minha vida. Parece clichê e senso comum ou uma redundância de quem já ficou com mais de mil pessoas, mas eu confesso a você: dessa vez foi diferente. Dessa vez eu quis abrir mão de muita coisa por um minuto de atenção. Dessa vez eu iria até o fim, aceitando qualquer condição que ele impusesse. E eu nunca quis ele só pra mim, porque gente assim deve ser dividida. Ele pode mudar a vida de muitas pessoas. É um pensamento liberal doutor?  Acho que minha cabeça está a frente do tempo em que vivemos onde todos querem possuir. Eu não.
Lendo Platão há algum tempo atrás eu quis ressuscitá-lo só para ver se ele teria a cara de pau de falar na minha cara que “ A melhor maneira de amar, é amar desprendido de egoísmo”. Acho que eu quebraria todos os dentes de Platão por ele ter dito algo tão imbecil, Doutor. Eu errei. Platão estava muito certo. Acho que ele me jogou uma macumba pra parar de pensar que as pessoas só queriam a procriação como pregava Schopenhauer.
Agora doutor de o senhor tiver o mínimo de consideração com a minha vida, não se levante desse divã e diga que é amor. Seu silêncio me consola.

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